terça-feira, 12 de maio de 2015

sobre livros


Eu não quero parecer chata, nem poser, nem nada. Mas pouca coisa neste mundo me deixa mais feliz do que livros. Digo melhor, tê-los. Livros físicos, de papel, com cheiro de tinta. É difícil explicar pra pessoas comuns e que sempre tiveram acesso a eles a alegria que toma conta de mim quando isso acontece. A única vontade que tenho é parar tudo e ir pra rede.

A rede é lugar tranquilo da minha infância onde me escondia do mundo. Onde o mundo era só meu. Sou filha de evangélicos que com as melhores intenções vencidas do prazo me presenteavam com livros da igreja. Eu também estudava em escola religiosa sem biblioteca e esse ciclo reduzia a quantidade de livros que chegavam até mim.

O meu dia glória só chegou ao descobrir que a biblioteca velha da minha cidade permitia o empréstimo de livros por alguns dias. Fiz diversos malabarismos para levar minha mãe até lá e fazer meu cadastro. Desde então desenvolvi esse amor imenso por bibliotecas, e mais tarde por livrarias. 

O primeiro livro que li da biblioteca foi “O mundo de Sofia” do Jostein Gaarder, era um livro enorme para um garota de treze anos. Eu praticamente vivia com ele, dormia, almoçava, ia pro colégio e claro, perdia muitas horas deitada na rede. Sofia era minha melhor amiga.

Aos 16 anos li Felicidade Clandestina de Clarice Lispector, também emprestado de uma biblioteca. E o meu coração deve ter parado por alguns segundo enquanto lia à crônica. De repente foi como se alguém conseguisse explicar exatamente o que eu sentia. E explicar da maneira mais bonita possível. Passei a amar Clarice incondicionalmente.

“Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo. Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. As vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.” (Felidade Clandestina, Clarice Lispector) 

Ilustração Katie Harnett

Nenhum comentário: