terça-feira, 16 de junho de 2015

A imperfeição de Maria


Gosto muito de gente que consegue falar bem sobre o próprio umbigo. Que consegue criar uma narrativa interessante sobre si mesmo. É assim com os filmes do Woddy Allen, com a Lena Dunham da série Girls e também com o livro de crônicas da Maria Ribeiro. É necessária uma intensa consciência de si para fazê-lo.

A crônica de abertura de Trinta e Oito e Meio é sobre a dificuldade de ficar nua. Como se abrir tantas camadas naqueles textos também não fosse se despir. Foi a imperfeição de Maria que me impressionou. O amor pelos seus rebentos como ela gosta de dizer. Maria está lá. E não digo de um exibicionismo forçado, é que em tempos de redes sociais o exibicionismo ganhou contornos estritamente levianos.

Claro que ela força o personagem, faz anti-propaganda o tempo inteiro, repete seus defeitos, não gosta de verão, ano novo, mas diz isso da melhor maneira “um ser que encontrou a plenitude na calça jeans”.

O livro é pequeno, tanto na quantidade de páginas como na sua estrutura. Os texto são intercalados por páginas rosas, só consegue usar rosa sem traço de meninice quem chutou o balde da falsa maturidade há tempos. Um dia eu chego lá. Ele é todo recheado de ilustrações da Rita Wainer, são todas bonitas, menos o coração flechado da capa. Achei brega, mas talvez seja algo da falsa maturidade e eu que não entendi nada.

O recurso de negar-se é importante no processo de dar genialidade a algo. Aqui, no caso, a Maria. Que diz de maneira enfática que não é gênia, que faz uma lista de desejos do seu eu perfeito. Mas, por favor, Maria, tenha dó. Me deixa te admirar um pouco, vai. 

sobre corpo, feminismo e gordofobia


Sempre fui chamada de “cheinha”. Nunca fui magra e pra melhorar tenho uma relação intensa com comida. Sempre tive inveja das minhas amigas que colocavam uma porção simbólica em cima do prato quase como arte minimalista. Meus feriados favoritos são aqueles que envolvem comida. E bom, eu sempre fui julgada por ser assim. Mas quem não é julgado por ser qualquer coisa, não é?

Sou alguém que vive entre a gorda e a magra, num limbo corporal, sem ser nada e sempre com culpa. Mas aí no meio do caminho eu encontrei o feminismo que ensina a aceitar o seu corpo, gostar dele como ele é e amá-lo. Ao menos achei que tinha aprendido. Eu fui e ainda sou uma pessoa mais feliz após esse encontro. Passei a comer com menos culpa e também parei de subir na balança e fazer dietas. Não via propósito e acho um hábito muito estranho monitorar o peso. Por que alguém saudável precisa insistentemente saber quanto pesa?

Mas algo aconteceu nesses dois anos de um relacionamento feliz e não sei se necessariamente saudável com a comida. Meu quadril começou sutilmente a aumentar, sento para estudar e percebo uma pequena massa de gordura se acumulando na minha barriga. E não, eu não gostei de nada disso. Não importa quantos textos sobre empoderamento leia ou perceba claramente a gordofobia estampada na mídia. Acontece que eu não consigo me desligar, não consigo aceitar o meu corpo engordando, e não, eu não quero.

Qualquer pessoa que não tenha uma visão ingênua sobre o feminismo sabe que o importante é estar bem no corpo que habita, seja lá qual formato ele tenha. Mesmo isso não diminuí o sentimento de ter perdido a batalha. É muito fácil dizer que a sua beleza não está no seu cabelo, nem no formato do seu corpo, nem em coisa alguma do que em você ou dentro de você. Mas por que entender e praticar isso ainda é tão difícil?

Acontece que assim como o meu corpo, o meu feminismo também é imperfeito. E é muito difícil assumir nossas imperfeições. Vou parafrasear a Amélie para tentar explicar: ainda são tempos difíceis para as mulheres. Mesmo com as conquistas grandes e pequenas por direitos, ainda existe uma pequena batalha que acontece na sutileza do dia-a-dia. E essas batalhas, minha gente, são as mais difíceis.

Imagem do tumblr Outras Meninas

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Talvez



Talvez porque hoje é dia dos namorados. Talvez porque chutei a dieta e tomei café na lanchonete enquanto uma senhora sorridente entregava o café contando que tinha comprado o lugar e eu era primeira cliente dela. Ou talvez porque outra senhora igualmente desconhecida e também sorridente conversava sobre política e gentileza às oito da manhã.

Talvez porque no trajeto do ônibus vi um muro adaptado a uma árvore. Era uma árvore de tronco torto que ficava entre a calçada e alguns prédios pequenos. Construíram o muro com um espaço para o tronco da árvore de maneira que ela conseguia passar pelo muro e pender entre os prédios. E fiquei pensando que talvez o mundo fosse um lugar melhor se mais muros se adaptassem as árvores.

Talvez porque no caminho vi uma senhora fumando no topo de um prédio o que parecia ser o primeiro cigarro do dia. Ela fazia todo teatro que os fumantes fazem soprando fumaça pra cima e repousando a mão no queixo. Não gosto de cigarros, mas admiro a teatralidade dos fumantes e a maneira como eles se levam a sério mesmo na ausência de plateia.

Talvez porque ouvia Paquetá do Rodrigo Amarante ou talvez porque lembrei que esse ano vou ver o Los Hermanos tocar. Talvez porque pela primeira vez em meses cheguei na Cultura e encontrei o livro da Maria Ribeiro. Talvez porque hoje não acordei pensando sobre um artigo que precisava escrever. Talvez o mestrado me roube a poesia diária com a dureza dos textos acadêmicos.


Talvez porque no caminho de volta perdi o ponto em que deveria descer distraída com o livro da Maria Ribeiro e achei graça de tudo. Talvez porque tive que caminhar mais pra chegar em casa e vi um senhor de expressão forte e olhar manso vendendo flores porque hoje é dia dos namorados. Talvez em alguns dias a vida aconteça de maneira mais aguda diante da gente. Talvez só acordei de bom humor.