sexta-feira, 10 de abril de 2015

Fraude

O sentimento de fraude sempre me acompanhou. No ensino médio era certeza. Era fraude. Pronto. Ninguém te leva a sério mesmo. Seu talento para exatas é inexistente e logo percebem que você é “uma pessoa de humanas”. Seja lá o que ser alguém de humanas signifique.

Mas aí por alguma razão misteriosa você passa no vestibular, numa universidade pública e tudo. Você continua fraude, mas com nível superior. Você agora é de fato alguém de humanas, vai ter uma profissão sofrida que nunca pagará um salário decente. Nas reuniões de família, aniversário, natal, páscoa, um parente semi-desconhecido vai puxar assunto sobre a faculdade.

Essas conversas são piores que aquelas em sala de espera de médico, ou elevador, essas obrigatórias que servem apenas pra preencher o vazio, sobre o tempo ou a demora. Mas é natal e você sorri e se entope de comida ou é pascoa e você sorri e se entope de comida também.

Quem fez um curso como o meu, jornalismo, corre o risco de ouvir sempre a mesma piada cretina sobre ser o próximo William Bonner ou “te vejo na globo”. Penso como as pessoas de rádio e tv devem sofrer. E museologia? E relações internacionais? E turismo gente??

Pode piorar. Acredite. Você pode começar um mestrado. Seus semi-desconhecidos agora não sabem mais o que você faz da vida. Aliás, a pergunta que fica é: você faz alguma coisa da vida? Quando você para de estudar mesmo? O que faz alguém com mestrado? Explicar que você faz um mestrado em “filosofia deleuziana com enfoque em Hegel sei lá o que” só aumenta o sentimento de fraude. Talvez passe quando começar um doutorado. Profissões que envolvem a palavra doutor parecem ser algo bom nesse país. São?

Nenhum comentário: