sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O milagre de toda gente


Estou muito perto de concluir que a coisa mais interessante desta vida é gente. Gente é um acontecimento. Eu gosto das solares e que às vezes parecem parir o mundo enquanto conversam. Gente que é feliz e um pouco triste pela consciência de si e da finitude das coisas. Gente nunca é uma coisa só, algumas vezes pela força do hábito se tornam monotemáticas e chatas.

Não à toa um dos meus gêneros favoritos no jornalismo é a entrevista. Acho bonita a capacidade de saber perguntar e calar existindo ao mesmo tempo. Na minha passagem pela faculdade de jornalismo aprendi como o ofício de fazer boas perguntas é complexo. Essa semana vi o documentário José e Pilar e uma das queixas de Saramago é a falta de propósito de tantas coletivas de imprensa que faziam sempre as mesmas perguntas. Quando o seu interlocutor parecer chato ou enfadonho repense um pouco suas perguntas.

Tem gente que quando fala ou escreve me deixa muda. Mas muda por fora. Cá dentro surge uma confusão de pensamentos com tamanha aparição. É uma mistura de êxtase com a calma da contemplação das palavras que brotam. É a vontade de ficar ali, continuar estando, existindo e acompanhando o pequeno milagre de enfileirar palavras tão bem.

Já que falei em milagre e tenho por nascimento e pertencimento a capacidade de acreditar em milagre. Acredito que essas pessoas que conseguem surpreender e calar também sejam pequenos milagres. E esses milagres estão por aí, acontecendo todo tempo. Mas delego a capacidade da existência do milagre não ao milagre em si, mas aos olhos do devoto. Algo como aquele ditado popular “não mostre sua poesia pra quem não é poeta”.

É isso, é isso que tento dizer desde o início do texto. É preciso haver poesia. Porque poesia é amor. E é amor mesmo quando fala apenas da dureza da vida. E tem gente que é poesia. E tem gente que é poesia bruta. Gente que me faz acreditar em milagres. Que faz ver deus em toda parte. O deus que vive e é toda gente. Sim, gente é a coisa mais interessante que existe. Mas é preciso haver amor, é preciso ter poesia. É preciso saber perguntar, ouvir e calar. É preciso acreditar em milagres.  

Ilustração Lizzy Stewart

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