Eu
não quero parecer chata, nem poser, nem nada. Mas pouca coisa neste mundo me
deixa mais feliz do que livros. Digo melhor, tê-los. Livros físicos, de papel,
com cheiro de tinta. É difícil explicar pra pessoas comuns e que sempre tiveram
acesso a eles a alegria que toma conta de mim quando isso acontece. A única
vontade que tenho é parar tudo e ir pra rede.
A
rede é lugar tranquilo da minha infância onde me escondia do mundo. Onde o
mundo era só meu. Sou filha de evangélicos que com as melhores intenções
vencidas do prazo me presenteavam com livros da igreja. Eu também estudava em
escola religiosa sem biblioteca e esse ciclo reduzia a quantidade de livros que
chegavam até mim.
O
meu dia glória só chegou ao descobrir que a biblioteca velha da minha cidade
permitia o empréstimo de livros por alguns dias. Fiz diversos malabarismos para
levar minha mãe até lá e fazer meu cadastro. Desde então desenvolvi esse amor
imenso por bibliotecas, e mais tarde por livrarias.
O
primeiro livro que li da biblioteca foi “O mundo de Sofia” do Jostein Gaarder,
era um livro enorme para um garota de treze anos. Eu praticamente vivia com
ele, dormia, almoçava, ia pro colégio e claro, perdia muitas horas deitada na
rede. Sofia era minha melhor amiga.
Aos
16 anos li Felicidade Clandestina de Clarice Lispector, também emprestado de
uma biblioteca. E o meu coração deve ter parado por alguns segundo enquanto lia
à crônica. De repente foi como se alguém conseguisse explicar exatamente o que
eu sentia. E explicar da maneira mais bonita possível. Passei a amar Clarice
incondicionalmente.
“Sei
que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito.
Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava
quente, meu coração pensativo. Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que
não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li
algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei
ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o
livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas
dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade
sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como
demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha
delicada. As vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no
colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro:
era uma mulher com o seu amante.” (Felidade Clandestina, Clarice
Lispector)
Ilustração Katie Harnett
Ilustração Katie Harnett
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