Demora um pouco para perceber que a nossa casa não
é mais nossa. Demorou para que eu percebesse que a casa onde cresci não era
mais minha. Saí aos dezoito no início da faculdade e embora sempre retornasse,
nunca mais voltei pra casa. Eu visitei diversas vezes, mas aquele lugar já não
era mais meu.
Com o tempo os móveis vão mudando de
lugar, trocaram os armários da cozinha. Não sabia onde ficavam as panelas, nem
as tolhas. Os objetos cultivados no meu quarto começaram a desaparecer. O
espaço vazio do guarda-roupa foi tomado por edredons e lençóis que não eram
meus. A mudança foi lenta. Parte das coisas carreguei para a nova casa. Outras
encaixotei pra levar depois, até o dia que percebi que nunca ia vai levá-las e
não precisava de nada daquilo.
Perder meu cachorro ainda tem sido
difícil. Sei que ele escolheu minha mãe como dona, mas não sei lidar com a
displicência dele quando estou lá. Meu coração doeu quando ele rosnou na última
visita. Dorothy em O mágico de Oz carrega Totó quando ciclone vem. Se não fosse
extremamente egoísta teria levado Pit comigo.
O problema é que a casa nova não é de imediato sua casa. A constatação desse fato é aterradora. Você habita lugares,
passa por eles, conhece todo tipo de gente e em alguns momentos desfruta da
sensação do conforto da casa. Crescer é perder a casa e construir outra. Não
uma casa física, mas aprender lentamente que não é apenas uma questão de ocupar
lugares, mas criar espaços. Reinventar sua própria casa e ser dono dela.
A primeira mudança de casa foi
eufórica, tinha todo ranço da adolescência que quer desesperadamente perder a
casa. E eu sempre repito que é a melhor coisa que pode acontecer. Só não é
fácil. Talvez por isso a mudança para Salvador foi tão dolorosa. Já tinha
perdido a casa e sabia como tudo funcionava. Conhecia o sentimento que
acompanha quem vai embora deixando o canto macio e quente do conhecido.
A história do Mágico de Oz é sobre o
retorno para a casa. Eu concordo com a Dorothy que não há lugar no mundo como o
nosso lar. Mas antes tem a estrada de
tijolos amarelos, homens de lata sem coração e leões covardes. E no
fim, assim como em Oz, são os nossos pés ou sapatos dourados que nos levam
pra casa. Com ou sem Totó.
Ilustração Lizzy Stewart
Ilustração Lizzy Stewart
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